quarta-feira, janeiro 28, 2015

Dos pilares da memória



Muitas das casas da região oeste, construídas no século passado, têm tijolos produzidos nesta antiga Fábrica de Cerâmica. Segundo a ficha informativa do imóvel (e “terrenos rústicos”), em questão, à venda por 190 mil euros, ela era composta por: “A - Fábrica com 4 pisos, fornos, casa das máquinas e secagem| B - telheiro para arrecadação de materiais| C - cozinha, refeitório, posto médico e oficina| D - central eléctrica| E - barracão para depósito de barros| F - habitação do pessoal| G - balneário e vestiário”.



A vida também é feita destas coisas - um dia foram imponentes, hoje estão decadentes. Ainda assim, vão resistindo os alicerces, como que a sustentar a ideia de que um dia, subitamente, volte tudo a erguer-se, ou um mero suporte para a memória de quem viveu aqueles tempos.












sexta-feira, janeiro 16, 2015

O Melhor de 2014 - Cinema - "Force Majeure"




Uma quase-tragédia desencadeia uma série de questões no seio de uma família aparentemente equilibrada. Até esse momento vivia-se pacatamente umas férias de neve e uma relação mais ou menos controlada. Até ao momento em que o casal é confrontado com esse súbito descontrolo – como uma avalanche -  e, ao depararem-se com os instintos de sobrevivência da sua cara-metade, surgem as divergências, as desconfianças e as inseguranças.
Mais do que realçar as diferenças entre sexos em situação de crise/acidente, o realizador sueco Ruben Östlund manobrou com mestria, neste seu “Force Majeure”, as suas duas principais personagens no sentido de demonstrar que qualquer uma delas (ou qualquer um de nós) pode ser vítima dos seus próprios instintos. Será por isso que todas as personagens deste filme (e os seus telespectadores), quase no final, são levados para dentro de um autocarro, que vai circulando, desastrosamente, à beira do abismo. É o derradeiro teste aos instintos primários de todos ou, talvez, para que questionemo-nos de quanto eles (os instintos) devem ser representativos daquilo que realmente somos.
Para reforçar o ambiente gélido e angustiante vivido dentro de portas, no quarto da estância de ski, Östlund mostra também imagens do exterior (excelente fotografia – é uma das razões que faz com que nunca nos queixemos de um certo abuso dos planos fixos), ao som dos pungentes violinos de “Le Quattro Stagioni, L'Estate” de Vivaldi.
Um filme incrível e um retrato inteligentíssimo da mente humana. De longe, o melhor que vi da colheita de 2014... (E sim, eu também vi todas as propostas “indie” americanas: Boyhood, Birdman, The Grand Budapest Hotel, etc.)

quarta-feira, janeiro 14, 2015

Ainda têm alguma esperança de que o realizador M. Night Shyamalan* faça mais alguma coisa boa nesta vida?

Parece que 2015 poderá ser um daqueles anos em que ele pretende provar qualquer coisa... Ou não tivesse já programado duas estreias, em duas frentes: para além de um filme, "The Visit", já adquirido pela Universal e com estreia marcada para Setembro; a surpresa pode estar na sua estreia, em Maio, numa produção para TV - "Wayward Pines", uma série de 10 episódios para a FOX com Matt Dillon, Terrence Howard, Juliette Lewis, ... que só pela amostra do trailer parece ser um "mash-up" de outras séries, como "Twin Peaks", "Identity", "Lost", com o filme "The Truman Show"... Ninguém sabe se será de facto bom ou - como nos tem habituado nos últimos tempos - péssimo, mas toda a gente já sabe que vai ter, pelo menos, um grande "twist" lá para o final.
Já que falo nisso, talvez este realizador esteja mesmo amaldiçoado por tanto "twist" e, assim sendo, não vale a pena perdermos tempo com o que anda a fazer, pois só o seu derradeiro filme será (de novo) brilhante.

(*Sexto Sentido, Sinais, A Vila, etc)








terça-feira, janeiro 06, 2015

Portugal, um país de estruturas falhadas, tão imperfeito quanto inspirador


Não é novidade para ninguém. Portugal é um país especial para muita gente. Curiosamente (ou nem por isso), não tanto para os portugueses que sempre por cá viveram e que acabam por ser um reflexo do "estado de alma" da sua economia, como para os estrangeiros, nomeadamente, os artistas que andam à procura de um certo “empurrão” no seu método criativo. Mais do que o Sol, a Caparica, as sardinhas ou os Jerónimos, talvez seja esse nosso lado mais imperfeito, deprimente ou decadente que serve agora de inspiração a estes artistas contemporâneos.



Ainda no ano passado tivemos o caso de Grouper, aka Liz Harris, que se refugiou em Aljezur para gravar, com o mínimo de condições, o seu mais recente (e belíssimo) disco. Sublinho o que disse ela sobre esse processo de gravação:








A obra, entitulada justamente por “Ruins”, acabou por ser, como ela almejava, um reflexo dos locais por onde passeou e, sobretudo, da solidão de uma casa perdida algures num monte do Alentejo.





O mais recente artigo da Pitchfork começa mais ou menos assim: “Por uma década, Noah Lennox tem vivido dentro do brilho e sombra de Lisboa”. Pois é, “o” Panda Bear, ex-membro dos Animal Collective, já é um artista residente e, certamente, tudo o que foi vendo e adquirindo nos últimos anos está reflectido nas suas obras.

Destaca-se deste artigo uma paixão por uma cidade renascida de um sismo e por um país com muitas cicatrizes do passado:





São as nossas irregularidades que captam a atenção de Mr. Noah. Das Torres das Amoreiras... aos surfistas desajeitados:




Quem diria que são portanto todos essas falhas e limitações que nos tornam tão populares e inspiradores! Portugal (e os seus portugueses) não é assim tão diferente de qualquer outro país, mas às tantas são alguns desses pequenos e amáveis defeitos, tão condenáveis e tão humanos, que torna este país acolhedor e onde um estrangeiro mais facilmente se reconhece. Tendo em conta os resultados finais (este último disco de Panda Bear também é estupendo), talvez deva até sentir algum orgulho deste país que me viu nascer.